quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Os perigos da unanimidade

Ao contrário da polêmica Lei da Evolução das Espécies existe uma Lei de Evolução das Sociedades que pode ser claramente constatada tanto pela história como pela nossa simples observação empírica da realidade. Conquistas sociais como o fim da escravidão, dos preconceitos raciais (pelo menos institucionalizados), a valorização dos direitos das minorias, etc. são evidentes provas disso. Ser contrário um destes avanços implicaria em imediatamente ser chamado de “retrógrado” ou até de “incivilizado”. Temos ai a conceituação do que seria uma unanimidade incontestável.

Movidos por uma estranha mecânica, que certamente a moderna neurociência explica, procuramos unanimidades incontestáveis como referências de conforto no nosso dia a dia, neste processo cometemos erros individuais e, muitas vezes, erros coletivos. Novamente a história se encarrega de nos trazer exemplos: A sustentação do Nazismo na Alemanha, a crucificação de Jesus clamada pelo povo judeu, a revolução cultural chinesa na época de Mao, etc. Nessas ocasiões as multidões convenceram-se de que algo era uma unanimidade incontestável e por esse motivo lançaram mão de meios que posteriormente a história condenou. A forma mais evidente de constatarmos se uma unanimidade está andando para virar um erro coletivo é vermos se na prática dessa “verdade” há processos que ferem a legislação vigente ou se está havendo uma complacência da sociedade com abusos autoritários com o objetivo de cumprir o que nos parece unanimidade. Atualmente a sociedade brasileira assiste a um desses fenômenos. Temos uma unanimidade incontestável que vêm desrespeitando os direitos básicos do cidadão a vista grossa da sociedade: A Lei Seca.

Os benefícios trazidos pela Lei Seca são claros: diminuição do índice de acidentes, menos mortes no trânsito, etc. O problema não está nessas conseqüências benéficas e sim em alguns procedimentos adotados nas ostensivas e circenses blitz (com direito a balões iluminados e tudo). Nestas blitz é exigido que o cidadão se submeta ao “teste do bafômetro”. É um direito constitucional não oferecer prova contra si mesmo, o silêncio ou a negativa em sujeitar-se a procedimento auto-incriminatório não pode ser interpretado como presunção de culpa segundo jurisprudência existente ratificada pela Suprema Corte brasileira. Quem tiver interesse na matéria jurídica sobre o assunto pode ir para: http://www.apriori.com.br/cgi/for/prova-contra-si-mesmo-bafometro-constitucionalidade-t1753.html Na “Operação Lei Seca” caso o condutor se recusar a passar pelo teste do bafômetro a sua carteira de motorista é apreendida e é lavrada a multa como se efetivamente alcoolizado estivesse. Racionalmente somos levados a pensar “se a pessoa recusou-se a fazer o teste é porque efetivamente estava bêbada, então merece ser multada”, entretanto o exercício da cidadania não pode se valer deste expediente. Não se pode prender um morador de rua porque estava olhando fixamente para a máquina fotográfica de um turista, por mais lógico e evidente nos pareça o eventual assalto. É completamente arbitrário, inconstitucional, autoritário e anti-democrático impor qualquer tipo de penalidade a quem se recusar a fazer o teste do bafômetro. Os benefícios obtidos no combate à mistura de direção e álcool têm feito a sociedade como um todo fechar os olhos para este ultraje. Por melhor que nos pareça ser uma Lei não podemos permitir que, na sua aplicação, sejam feridos preceitos que resguardam direitos fundamentais do cidadão. Caso contrário corremos o risco de cair no lugar comum que deu sustentação à perseguição ao povo judeu, aos intelectuais da China, etc. Qual seria a maneira correta de proceder então? Outra qualquer que não fira o exercício pleno da cidadania. Numa época tão cheia de recursos tecnológicos seria muito fácil filmar o suposto infrator de forma que possa ser evidenciado em qualquer fórum o seu verdadeiro estado, alcoolizado ou não, deixando um juiz julgar pelas evidências apresentadas, para ai sim, uma vez comprovada a culpa, infringir as penalidades cabíveis.

Permitir abrir precedentes que firam direitos constitucionais em prol de uma “unanimidade incontestável” significa correr o sério risco de permitir a volta de práticas ditatoriais e déspotas, coisas das quais a sociedade precisas estar cada vez mais distante.

APOLO.

Um comentário:

Afrodisíaco disse...

Como evitar que a unanimidade não discrimine os direitos das minorias? Diria que "o bom senso" ou o "senso de responsabilidade" ou o "respeito" poderiam ser parâmetros regentes do comportamento pessoal diante das circunstancias. É evidente que, para se ter leis radicais, com medidas radicais, é porque os procedimentos pessoais são radicais. Considerando que a Lei Seca pode ter sido formulada, baseada no comportamento social de uma minoria e após o possível sinistro com algum parente e/ou alguma autoridade pública ou privada, de "peso social"; considerando que a aplicação da lei não atinge apenas essa minoria, mas suspeita que é possivel qualquer motorista estar embriagado(todo motorista é suspeito até prova em contrário), temos que considerar que a aplicabilidade da lei é justa embora podendo ser fruto de um projeto pessoal, é justa diante do alcance social,mas é injusta sob a visão da suspeitabilidade global.Filmar o contraventor? Impossível! Penso que a solução pode ser tecnológica. Por exemplo:um pára brisa que "amarele" ao sabor da embriaguês. Um veículo que dispare a buzina ao toque do embriagado no volante...temos que pensar em uma solução...alguma solução. O que não é possível aceitar é uma minoria embriagada arriscando a vida de inocentes, a minha e a tua vida! Ninguém tem necessidade de beber para dirigir! Para amar...talvez...beber um pouquinho!