sábado, 24 de outubro de 2009

Unificando As Nossas Dualidades

The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde é uma novela clássica de terror, escrita ao fim do século XIX, que alcançou incrível sucesso ao ser lançada. Acredito que o grande mérito do autor (Robert Stevenson) foi o de colocar herói e vilão na mesma personagem, até então as histórias tinham heróis e vilões separados. Mesmo com a coragem do ineditismo esta dualidade foi tratada seguindo uma tranqüilizante abordagem de aberração, algo que se encontrava patologicamente dentro de uma mesma pessoa, mas que não deveria estar assim. Recentemente o cinema nos trouxe uma história similar: “O curioso caso de Benjamin Button”, desta vez juventude e velhice eram os antagônicos que habitavam o mesmo corpo. Para o nosso “conforto” mais uma vez tratada como bizarrice, o castigo do personagem foi não poder viver o grande amor da vida dele.

Que precisamos de arquétipos já foi bastante explicado pela psicanálise, a minha reflexão não vai ser sobre a existência deles, nem sobre como nós humanos precisamos de referenciais e rótulos para nos sentir confortáveis e seguros tanto socialmente como emocionalmente. Sinto-me compelido a divagar sobre o turbilhão de sentimentos, medos, inseguranças, condenações e outras coisas mais que nos invadem quando descobrimos, sem negativas infantis, de que tanto o Jekyll como o Mr. Hyde podem estar habitando dentro do nosso ser. Tá bom, isto é um exagero, não somos todos homicidas potenciais, mas carregamos nos nossos interiores sentimentos bons e sentimentos ruins e por razões de auto defesa dizemos que essas coisas ruins são provocadas por situações exteriores a nós, as tratamos como reações e nos negamos a aceitar que esse lado ruim também faz parte do nosso ser. Erro enorme que não nos permite lidar com este fator da nossa humanidade. Basta ver como para a mesma situação uma outra pessoa reagiria diferente, a nossa resposta é ditada pela nossa personalidade, pela nossa índole e não pela situação em si. Resumindo, nós temos atitudes ruins, egoístas, desonestas, traiçoeiras, vulgares, violentas, etc. porque parte da nossa pessoa é assim e não por culpa da situação ou de terceiros.

O primeiro passo para lidar com isto é reconhecer que não existem duas pessoas numa só. Esse lado que a gente não gosta é nosso mesmo e igual a um alcoólatra que não bebe temos que afirmar que essa característica faz parte da nossa personalidade. Estarmos cientes da nossa condição nos deixa alerta para quando a oportunidade de agir negativamente surgir, o fato de não vermos o nosso comportamento como reação e sim como opção joga a responsabilidade nos nossos ombros e nos permite pensar um pouco mais antes de (re)agir.

A boa notícia é que embora tenhamos várias dualidades dentro de nós não precisamos ter uma visão maniqueísta sobre elas. Certamente aquelas que nos fazem mal ou que não nos trazem uma boa convivência com os nossos parceiros, amigos, namorados, cônjuges, etc. devem ser tratadas como vícios e encaradas como desafios a serem vencidos. Existem outras que devem ser desfrutadas, e claro, no seu devido lugar e ao seu devido tempo. O coitado do Benjamin Button não deveria ser visto como uma aberração. Se a idade cronológica vai aumentando e você continua tendo sonhos, vontade de realizar coisas diferentes, pré disposto a mudanças, apaixonado pela vida e pelo sexo oposto, com muito mais disposição que muito garotão (ou garotinha) por ai, por que condenar-se ou deixar- se abalar por comentários sobre fazer coisas que não estão “de acordo com a sua idade”? (aliás, este comentário sim é coisa de idoso), a sua juventude está ai, presente na sua dualidade unificada e somente vai acabar quando você achar que deve (e se algum dia deverá). Outra dualidade deliciosa que deve ser cultivada e não administrada é a que percebi numa pessoa que tive a chance de conhecer um dia. Falar com ela era como ter aberto contato direto com o povo dos anjos, doce, meiga, cândida, olhava nos meus olhos com sinceridade e ao mesmo tempo com uma timidez corajosa, ao seu tempo esses conceitos todos caíram um por um e uma mulher sensual e completa foi surgindo, bom, vocês entenderam, não vou relatar mais porque o objetivo não é esse, mas torço para que ela não perca essa dualidade nunca!

Encontrar quais são as dualidades que você deve “tratar” e quais são as que você deve cultivar e se orgulhar é um gostoso exercício que talvez fique como resíduo desta leitura. O meu já começou e garanto que estou me divertindo muito. Divirta-se você também. Fica aí o convite.

APOLO

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Os perigos da unanimidade

Ao contrário da polêmica Lei da Evolução das Espécies existe uma Lei de Evolução das Sociedades que pode ser claramente constatada tanto pela história como pela nossa simples observação empírica da realidade. Conquistas sociais como o fim da escravidão, dos preconceitos raciais (pelo menos institucionalizados), a valorização dos direitos das minorias, etc. são evidentes provas disso. Ser contrário um destes avanços implicaria em imediatamente ser chamado de “retrógrado” ou até de “incivilizado”. Temos ai a conceituação do que seria uma unanimidade incontestável.

Movidos por uma estranha mecânica, que certamente a moderna neurociência explica, procuramos unanimidades incontestáveis como referências de conforto no nosso dia a dia, neste processo cometemos erros individuais e, muitas vezes, erros coletivos. Novamente a história se encarrega de nos trazer exemplos: A sustentação do Nazismo na Alemanha, a crucificação de Jesus clamada pelo povo judeu, a revolução cultural chinesa na época de Mao, etc. Nessas ocasiões as multidões convenceram-se de que algo era uma unanimidade incontestável e por esse motivo lançaram mão de meios que posteriormente a história condenou. A forma mais evidente de constatarmos se uma unanimidade está andando para virar um erro coletivo é vermos se na prática dessa “verdade” há processos que ferem a legislação vigente ou se está havendo uma complacência da sociedade com abusos autoritários com o objetivo de cumprir o que nos parece unanimidade. Atualmente a sociedade brasileira assiste a um desses fenômenos. Temos uma unanimidade incontestável que vêm desrespeitando os direitos básicos do cidadão a vista grossa da sociedade: A Lei Seca.

Os benefícios trazidos pela Lei Seca são claros: diminuição do índice de acidentes, menos mortes no trânsito, etc. O problema não está nessas conseqüências benéficas e sim em alguns procedimentos adotados nas ostensivas e circenses blitz (com direito a balões iluminados e tudo). Nestas blitz é exigido que o cidadão se submeta ao “teste do bafômetro”. É um direito constitucional não oferecer prova contra si mesmo, o silêncio ou a negativa em sujeitar-se a procedimento auto-incriminatório não pode ser interpretado como presunção de culpa segundo jurisprudência existente ratificada pela Suprema Corte brasileira. Quem tiver interesse na matéria jurídica sobre o assunto pode ir para: http://www.apriori.com.br/cgi/for/prova-contra-si-mesmo-bafometro-constitucionalidade-t1753.html Na “Operação Lei Seca” caso o condutor se recusar a passar pelo teste do bafômetro a sua carteira de motorista é apreendida e é lavrada a multa como se efetivamente alcoolizado estivesse. Racionalmente somos levados a pensar “se a pessoa recusou-se a fazer o teste é porque efetivamente estava bêbada, então merece ser multada”, entretanto o exercício da cidadania não pode se valer deste expediente. Não se pode prender um morador de rua porque estava olhando fixamente para a máquina fotográfica de um turista, por mais lógico e evidente nos pareça o eventual assalto. É completamente arbitrário, inconstitucional, autoritário e anti-democrático impor qualquer tipo de penalidade a quem se recusar a fazer o teste do bafômetro. Os benefícios obtidos no combate à mistura de direção e álcool têm feito a sociedade como um todo fechar os olhos para este ultraje. Por melhor que nos pareça ser uma Lei não podemos permitir que, na sua aplicação, sejam feridos preceitos que resguardam direitos fundamentais do cidadão. Caso contrário corremos o risco de cair no lugar comum que deu sustentação à perseguição ao povo judeu, aos intelectuais da China, etc. Qual seria a maneira correta de proceder então? Outra qualquer que não fira o exercício pleno da cidadania. Numa época tão cheia de recursos tecnológicos seria muito fácil filmar o suposto infrator de forma que possa ser evidenciado em qualquer fórum o seu verdadeiro estado, alcoolizado ou não, deixando um juiz julgar pelas evidências apresentadas, para ai sim, uma vez comprovada a culpa, infringir as penalidades cabíveis.

Permitir abrir precedentes que firam direitos constitucionais em prol de uma “unanimidade incontestável” significa correr o sério risco de permitir a volta de práticas ditatoriais e déspotas, coisas das quais a sociedade precisas estar cada vez mais distante.

APOLO.