quinta-feira, 18 de março de 2010

"Dizem que há religiões suficientes no mundo para os homens se odiarem uns aos outros, mas não para que se amem". - Louis Cyphre – personagem do filme “Coração Satânico” interpretado por Robert de Niro.

Todos nós temos uma religião, mesmo aqueles que se declaram “ateus” têm. O conceito mais aceito para a palavra religião vem de “re-ligar”. Religar o homem a Deus, ou num conceito mais abrangente, é tudo aquilo que a fé ou a (fé na) lógica coloca para explicar o que comprovadamente não tem explicação. Talvez você não pertença a nenhuma religião organizada, com clero, doutrina formal, etc. Mas certamente existe dentro de você um quadro mental que explica o porquê das coisas mais transcendentais do universo. Religião é um assunto tão antigo que, qualquer que seja a sua posição, ela já terá sido seguida por alguém no passado. Você não tem nada de novo a respeito, por mais moderninho ou “cabeça” que possa se acreditar.

Numa discussão religiosa clássica os oponentes estão geralmente guiados pelo pensamento “eu tenho mais razão do que você” e travam uma briga de egos e vaidades tendo como desculpa argumentações doutrinárias. Consigo imaginar pouquíssimas coisas mais inúteis e chatas para fazer e assistir. Não devemos confundir discussão religiosa com proselitismo religioso, que vem a ser o empenho sincero dos seguidores de uma religião em divulgar a sua mensagem, neste caso o argumento é “se é bom para mim, vai ser bom para você também”. Acho que deu para entender a diferença entre ambos. Existe uma linha tênue que separa a discussão de uma divulgação de doutrina, mas é fácil de ser percebida, se a pessoa que é receptora não está interessada na mensagem o que se tem a fazer é deixá-la em paz. Não resisto em transcrever aqui o que ouvi de um religioso “Se falo pouco e com clareza é porque consegui passar as palavras de Deus, se começo a falar mais um pouco é porque sou eu achando que as palavras de Deus não foram suficientes, e se me estendo mais ainda, aí é o diabo querendo atrapalhar toda a mensagem de Deus”.

Quando lemos sobre os recentes massacres na Nigéria, muçulmanos matando Cristãos em retaliação às mortes de Muçulmanos pelos Cristãos deduzimos com facilidade que as religiões não conseguiram resolver o problema de paz e harmonia no mundo. Seguindo a linha de raciocínio, podemos dizer que religiões não têm utilidade nenhuma. Como toda conclusão rápida, esta também é incompleta e tendenciosa. Primeiro: a disputa entre Muçulmanos e Cristãos é uma disputa religiosa ou uma disputa econômica (assim como outras por aí)? Segundo: quem disse que as religiões vieram para resolver os problemas da humanidade?

Você já deve ter ouvido falar que toda guerra tem uma motivação econômica, em grande parte isso é verdade. Em alguns casos a motivação exacerbada pelo poder (vaidade ao nível de psicopatia) é também a origem. A história é mestre em dar nomes bonitos para ocultar os verdadeiros motivos: Guerra da Independência, Guerra Santa, Guerra das Laranjas, Guerra do Futebol (acredite, aconteceu entre El Salvador e Honduras nas eliminatórias da Copa de 70), Guerras Étnicas, etc. Todas elas detonadas por motivos geoeconômicos. Na Nigéria essa disputa “religiosa” é, na verdade, tribal, territorial mesmo. Luta entre fazendeiros que historicamente reivindicam a hegemonia pelo mesmo pedaço de terra. As guerras de Hitler, Alexandre o Grande, Napoleão Bonaparte, etc. foram guerras motivadas pelo poder.

A religião, igual a qualquer outra manifestação cultural humana, não foi feita com o objetivo de resolver todos os problemas da humanidade. Religião serve para explicar o que não tem comprovação, ponto. Nós seres humanos PRECISAMOS de explicação principalmente porque criamos expectativas a respeito do futuro. Temos a necessidade de saber como funcionam as coisas, pois acreditamos que precisaremos desse conhecimento, ou porque precisamos criar um quadro sobre conseqüências futuras de nossos atos. Da mesma forma, quando não vêem a explicação no futuro, algumas religiões se encarregam de colocá-la no passado (carma, maldição, etc.). Legal, religião então é explicação do não comprovado. Entretanto visto somente desta forma, simples e direta, ignoramos um fato que é o que junta milhões de fiéis sob uma mesma denominação: Experiência (de experimentar) espiritual. Sem esta experiência todo conhecimento religioso vira mera religiosidade, sem atingir o objetivo da religião (re-ligar, lembra?). Não tem Padre, Pastor, Mulá, Imã, Rabino, Guia, etc. que possa ter esta experiência por você. Trata-se de um fenômeno pessoal e intransferível. Já vi muitos ateus (os que acreditam que não acreditam) passarem por experiências espirituais transformadoras. Ter todo um arcabouço doutrinário sem passar por vivência espiritual equivale a ter um Porsche na garagem e não andar nele nunca. Religião não é só para explicar, é para ser vivida. Seja ela qual for. De outra forma você vai dizer que tem uma religião (e com certeza você tem), mas e daí?

APOLO.