domingo, 21 de setembro de 2008

Por que você está me olhando?

Existem algumas coisas, de aparente irrelevância, que acabam desapercebidamente nos marcando. Lembro claramente a imagem do meu irmão caçula tentando cuidadosamente recortar um boneco que havia saído no jornal, ele tinha uns 7 ou 8 anos, eu estava vendo televisão mas acabei me distraindo com as murmurações dele cada vez que não conseguia seguir fielmente a borda do boneco, parei de ver televisão, simplesmente virei a cabeça e passei a dar atenção ao cuidadoso recorte do meu irmão. De repente ele num descuido acabou degolando o boneco num erro que não teria mais conserto, fitou o boneco em silêncio por alguns segundos e depois levantou a cabeça olhando ao seu redor, foi ai que ele percebeu que eu estava olhando e iradamente me perguntou “por que você está me olhando? Está vendo o que você me fez fazer” eu como irmão mais velho tentei ser condescendente e só dei um riso irônico. Essa imagem nunca saiu da minha cabeça.

A lembrança acima tem servido como referência nas vezes que deparo comigo mesmo ou com outras pessoas olhando ao redor procurando o culpado pelos erros que foram cometidos por nós mesmos. Achamos culpados revestidos das mais diversas formas, vamos ver algumas:

AS CIRCUNSTÂNCIAS. Dá um alívio quando percebemos que podemos culpar as circunstâncias, elas estão ali efetivamente, não são invenções nem suposições e aparentemente não foi você quem as procurou e, sobretudo, elas não podem rebater com você para alegar inocência. Circunstância pode ser tudo: O lugar onde você nasceu, a educação que você recebeu, o sistema político- econômico, a cultura da sua empresa, a TPM da sua companheira, etc. Claro que existem ocorrências em que as circunstâncias são efetivamente culpadas. Ser atingido por uma bala perdida ou por um imprevisível acidente da natureza é obviamente um acontecimento em que pode se imputar culpa às circunstâncias, mas geralmente é somente nesses casos, em casos de acidentes. Fora isto, goste ou não, as circunstâncias não têm responsabilidade pelos seus fracassos, o verdadeiro culpado foi você através das suas decisões. Circunstâncias servem somente para desenhar cenários de opção, de superação, de virada, de tomada de atitude. Você certamente não consegue mudar o ambiente que você nasceu (seja uma favela ou uma cidade do interior com poucos recursos), mas se você vai continuar ali é uma decisão exclusivamente sua. Não preciso numerar os exemplos, eles estão ali na mídia, são pessoas que decidiram fazer algo para mudar as suas próprias vidas, seja através da música, do estudo, do trabalho, etc. A única diferença entre eles e o resto é que eles decidiram não permitir que as circunstâncias determinem a sua vida, chamaram essa responsabilidade para si ao invés de ficar olhando ao redor para procurar culpados.

O DESTINO. Dificilmente encontraremos alguém que se auto-intitule de “fatalista”, mas se observarmos atentamente veremos pessoas com várias atitudes ou “deixas” fatalistas. Quantas coisas são atribuídas a “falta de sorte” ou então são justificadas por um “se não foi é porque não era para ser mesmo”, num linguajar mais esotérico podemos igualmente atribuir os nossos fracassos a “forças da natureza” como mapas astrais, conjunção das estrelas, natureza dos signos, carmas, etc. As pessoas mais “espiritualizadas” podem com toda tranqüilidade dizer que “não era a vontade de Deus”, em fim, um arsenal para não precisarmos mais nos sentir culpados. Então, será que a vida não conspira? Será que Deus não manifesta a vontade dele sobre as nossas vidas? Não entrarei em discussões religiosas, uma coisa é certa: Temos livre arbítrio, para manifestá-lo pensamos, imaginamos, planejamos, organizamos, decidimos e agimos. Coisas que, nesta terra, somente nós humanos fazemos e se podemos fazer isso o destino não tem mais poder sobre nós. O destino nunca nos obrigará a tomar decisões, ele no máximo pode se apresentar como opção, mas a decisão continua sendo nossa e de mais ninguém. O destino pode colocar na sua frente uma pessoa com todos os requisitos desejados para ser seu(sua) companheiro(a) mas se esse relacionamento vai funcionar vai depender dos seus atos, do amor que você e esta pessoa são capazes de demonstrar, da sua capacidade de perdoar, etc. etc.

OS OUTROS. Esta é a mais covarde e imatura das desculpas, parte do princípio de que você é uma vítima dos erros e maldade de terceiros onde você teria feito tudo ao seu alcance sendo, entretanto, prejudicado por outros. Outra faceta ridícula desta desculpa é o famoso “você errou primeiro” e se efetivamente o outro cometeu o erro antes então recebemos um habeas corpus para errar também. “Eu trato da mesma forma como sou tratado” e “não tenho sangue de barata para não reagir” são duas das frases mais famosas deste tipo de comportamento. Ah! Mas nós não somos uma ilha, dirão rapidamente os acostumados a utilizar este argumento para colocar responsabilidades em terceiros. Não, certamente não somos. O mundo é cada vez mais interativo, trabalha-se cada vez mais sistemicamente, em equipe, em conjunto, em turmas, etc. Mas somos nós que escolhemos o clube que iremos nos filiar, as pessoas com que vamos nos relacionar, a doutrina que vamos seguir, o blog que vamos ler, e por ai vai. A interatividade do mundo não nos exime de responsabilidade ela simplesmente nos exige ter mais zelo no nosso modo de interagir e ao escolher com quem nos relacionaremos.

Circunstâncias, destino e os outros fazem parte do nosso ambiente de vida, estão ali querendo nos influenciar de todas as maneiras, mas a maneira como eles irão nos influenciar depende exclusivamente de nós, a conseqüência desta interação é dependente somente de nossas decisões e ações. O resto é birra de criança mimada.
Apolo

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